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Uma análise epistemológica do diagnóstico de depressão
As explicações construídas para fundamentar a categoria nosológica da depressão, não se limitam aos critérios descritivos de diagnóstico enunciados no DSM-IV . Repete-se, uma e outra vez, que o que limita tudo e qualquer “capricho diagnóstico” (Kitcher, 2002) , não são os critérios descritivos mas as explicações etiológicas, as referências a estudos biológicos de laboratório que indicam que o déficit de certos neuro-transmissores, como a serotonina, é a causa direta da doença. Já não se trata de diferenciar o normal e o patológico pela freqüência de aparição de comportamentos indesejados (cinco de nove na Depressão Maior; três de nove na media; dois de nove na moderada), agora se trata de realizar, finalmente, o sonho de Charcot (Foucault, 2003), isto é, localizar no corpo, especificamente no cérebro, a causa dos A lógica que se pretende aplicar não é outra que aquela que deu nascimento à medicina moderna: a localização anatomo-patológica de déficit ou de lesões no corpo. Entretanto, esse esquema explicativo possui, como os critérios de diagnóstico do DSM-IV, sérias debilidades epistemológicas que precisam ser cuidadosamente analisadas. Os estudos de localização cerebral, sejam realizados a partir dessas novas “janelas ao cérebro” que são os PET-scan (Ortega, 2006, p.90), ou 1 Doutora em Filosofia. Professora do departamento de Saúde Pública da UFSC Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) com o auxílio de modelos animais, descansam sobre a certeza de que existem explicações biológicas causais para a depressão semelhantes àquelas que nos permitem identificar a etiologia de outras doenças. Assim como existe uma relação causal entre o Tripanosoma Cruzi e a doença de Chagas, se dirá que existe também uma relação causal entre o déficit Existem diferenças significativas entre estas estruturas explicativas. A explicação etiológica que se constrói para uma doença infecciosa não tem o mesmo estatuto epistemológico que aquela construída para a depressão. No caso de um conjunto de sintomas indicativos de uma infecção, se tentará detectar a existência de uma bactéria ou parasita. Os estudos microbiológicos e anatomo-patológicos permitem inferir qual será a terapêutica mais eficaz para essa patologia. Os microorganismos serão isolados, cultivados e inoculados em animais reproduzindo a doença, e sobre eles serão realizados estudos que permitam determinar a eficácia de determinada terapêutica para esse caso, seja um antibiótico, Nos estudos etiológicos clássicos o diagnóstico e a terapêutica têm um ponto em comum, aquilo que Pignarre (Pignarre, 1995, p.75) denomina “marcador biológico”. Esta testemunha confiável está ausente nas enfermidades psiquiátricas em geral e na depressão em particular, por essa razão, é necessário criar estratégias explicativas diferentes daquelas que caracterizam aos estudos etiológicos clássicos. No caso da depressão, o que permite articular a trama explicativa não é o diagnóstico ou a explicação etiológica mas sim a terapêutica. É a Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) partir do antidepressivo que se inicia a busca de causas biológicas. Ele permite identificar quais são os mecanismos biológicos, os receptores neuronais afetados, e então se poderá postular a causa orgânica, cerebral, É a partir da mediação do antidepressivo, que se pretende construir uma rede causal explicativa. Perante a ausência de um “marcador biológico”, seja um microorganismo, um parasita, uma tecido celular, a rede causal se reconstrói a partir da terapêutica. Pignarre encontra um antecedente dessa inversão explicativa no que ele chama de „hipótese dopaminérgica da esquizofrenia‟. Nesse caso “se associa o déficit de um neuro-transmissor no cérebro (a dopamina), à esquizofrenia com o argumento de que os neurolépticos atuam sobre esse neuro-transmissor” (Pignarre, 2001, p.115). Essa mesma lógica se repete com os inhibidores seletivos de ré-captação de serotonina, a associação do déficit de serotonina com a depressão, resulta do argumento de que os ISRS atuam sobre esse neuro-transmissor. Este tipo de explicação circular é possível porque, não existe nem poderá jamais existir um “marcador biológico” ou “testemunha confiável” (Pignarre, 1995) que permita transladar os sofrimentos humanos ao mundo controlado do laboratório, Os psicotrópicos permitem criar a ilusão de que as patologias mentais em geral, e os sofrimentos psíquicos em particular, ingressaram na lógica da localização própria dos estudos anatomo-patológicos. Embora estes estudos se mostraram eficientes para criar novos medicamentos, todas as hipótese etiológicas que foram construídas a Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) partir desses protocolos de investigação (com modelos animais ou com o uso do Pet Scan) mostraram-se, até hoje, pouco conclusivas. Ainda os defensores mais radicais da origem biológica dos distúrbios de humor coincidem em afirmar que as causas precisas permanecer indefinidas e que os estudos existentes não são conclusivas (Romeiro, 2003) . Porem, ainda que exista certo consenso quanto á insuficiência de informações confiáveis referidas á localização cerebral da depressão, os estudos dedicados a descobrir e aperfeiçoar novos antidepressivos, não deixam de multiplicar-se. Se isto é possível é porque, a produção de antidepressivos e a localização cerebral, se movem em direções independentes. O investimento milionário em pesquisa de novos antidepressivos tem dois objetivos claros: encontrar medicamentos com menos efeitos colaterais que aquele que está em uso e produzir novos medicamentos para novos diagnósticos que surgem por associação ou aproximação entre distúrbios (depressão com ansiedade, anorexia nervosa, depressão com hiperatividade,etc). Esses estudos baseados em alterações de comportamentos são realizados com absoluta independência do êxito ou fracasso das pesquisas centradas na localização cerebral. Criou-se assim uma frutífera e milionária linha de pesquisa e financiamento com características próprias. Embora estes estudos se definam como pertencentes ao campo das pesquisas biológicas, afirmando que seus protocolos são idênticos aos estudos de qualquer outra doença, para o Pignarre não seria correto falar de pesquisa biológica. Prefere criar o conceito de “biologia menor” (petite biologie) para designar estes conhecimentos que permitem produzir novos Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) psicofármacos a partir das reações provocadas pelos fármacos hoje Como afirma esse autor: “Os pesquisadores da indústria farmacêutica impõem sua biologia menor. Ela não tem grande utilidade fora do laboratório, sua ambição é aperfeiçoar e afinar os instrumentos de seleção de novos psicotrópicos que sempre serão os penúltimos” (Pignarre, 2001, p.120). A última descoberta sempre deve remediar os efeitos colaterais da anterior e a anunciar os medicamentos por vir, que reduzirão, por sua vez, os efeitos colaterais que esta apresenta. Uma característica dessa “biologia menor” é a identificação diagnóstico-terapêutica, pois é o medicamento o que cumpre o papel de “marcador biológico”. Assim: “passando de uma classe química de antidepressivo a outra, os pesquisadores e os médicos modificaram os critérios de classificação dos pacientes”. A ação diferenciada de cada medicamento é o que permite criar novas classificações diagnósticas. Teremos então “depressivos que têm necessidade de ser estimulados e aqueles que precisam ser tranqüilizados, depressivos ansiosos e depressivos agressivos ou totalmente inibidos,etc” (Pignarre, 2001, As pequenas alterações nas diversas moléculas que são testadas em laboratório, transformam os critérios de classificação dos pacientes e, como conseqüência, terminam por transformar a própria definição do diagnóstico. Assim, a ausência de um marcador biológico, ao mesmo tempo que representa o limite e a dificuldade deste modelo explicativo, abre ilimitadas possibilidades para pesquisas futuras. Permite que seja Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) explorada livremente essa ampla fronteira, pouco clara e indefinida, entre o sofrimento normal e o sofrimento patológico. Permite “explorar o território dos comportamentos e as emoções que ainda não foram medicalizados, e participar da re-definição permanente dos problemas Situamo-nos assim em um território sem limites epistemológicos definidos, sem marcadores, nem testemunhas confiáveis, mas é justamente essa ambigüidade a que permite a crescente multiplicação de diagnósticos e, conseqüentemente, o crescimento ilimitado dessa misteriosa e temida epidemia de depressão. A explicação etiológica “a posteriori” da depressão se assemelha à tentativa de identificação dos mecanismos neurológicos afetados por certas drogas que alteram comportamentos. Sabemos que em determinados eventos sociais, o consumo de bebida alcoólica pode-nos transformar em sujeitos mais sociáveis e com menos inibições, podemos supor que essa mudança de comportamento se deve à ação do álcool no sistema nervoso central. Entretanto, essa certeza não nos autoriza nem a patologizar a inibição, nem a considerar o consumo de bebidas alcoólicas como terapêutico, nem a considerar que a inibição é o resultado do déficit de álcool no sistema nervoso. Pelo contrário, uma reação favorável a um ISRS, permite afirmar que um sentimento de tristeza é patológico, que a terapêutica apropriada é o ISRS e, em conseqüência, que a depressão é o resultado do déficit de serotonina no Sistema nervoso. Como vemos é a partir da mediação do psicofármaco que os dois níveis de diagnóstico: o nível descritivo (DSM-IV) e o nível etiológico Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) se articulam. O antidepressivo tem um efeito duplo: permite definir a etiologia (uma reação favorável ao Prozac (ISRS) indica déficit de serotonina) e permite otimizar e criar novos critérios diagnósticos. Sabemos que existem classificações que, uma vez integradas à vida dos indivíduos, modificam o modo como eles se observam a si mesmos. As classificações humanas geram efeitos nos sujeitos, cada classificação, cada diagnóstico, cada tipificação de pessoas, implica uma mudança no modo como agimos, como expressamos nossas emoções e sentimentos, no modo, enfim, de nos construir como sujeitos. Nossa sociedade parece ter definido um modo privilegiado e socialmente aceito de sofrer, um modo medicalizado de administrar nossos fracassos e angústias. Como conseqüência, aceita-se sem muitas críticas um diagnóstico repleto de limitações epistemológicas, mas que, ainda assim, nos permite “criar a ilusão de que viver é indolor” (Valerim, Essa ideologia da felicidade e do bem-estar, se nega a aceitar que, como afirma Nietzsche “o infortúnio pode ser uma necessidade pessoal e que você e eu podemos necessitar tanto do terror, das privações, da pobreza, das aventuras, dos perigos, dos desenganos quanto dos bens
Referencias Bibliográficas
Foucault, M. Le Pouvoir Psyquiatrique. Paris: Gallimard. 2003
Kitcher, P. Las vidas por venir. México: Universidad Nacional autonoma de
México. 2002
Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM) Nietzsche, F. La Gaya Ciencia. Valencia: Sempere. 1984 Ortega, F. O corpo transparente: visualização médica e cultura popular no século XX. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, , v.13, n.suplemento, p. 89-107. 2006. Pignarre, P. Les deux médecines : médicaments, psychotropes et suggestion thérapeutique. Paris: La Découverte. 1995. 190 p. p. (Sciences et société) ______. Comment la dépression est devenue une épidémie. Paris: Hachette. 2001. 150 p. (psychanalyse) Romeiro, L. A. S. Novas Estratégias Terapéuticas para o tratamento da Depressão: uma visão da química médica Quimica Nova v.Vol. 26, n.No. 3, 358, p.352. 2003. Valerim, S. Deixar a ilusâo de que viver é indolor. Mil e uma forma de ser objeto. II Jornada de Seção de Psicanálise de Santa Catarina: Escola Brasileira de Psicanálise 2007. Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr. 2009 CD-ROM)

Source: http://www.esp.rs.gov.br/img2/10_Sandra_Caponi.pdf

Doi:10.1016/j.jclinepi.2006.01.012

Journal of Clinical Epidemiology 59 (2006) 964e969Testing multiple statistical hypotheses resulted in spurious associations:Peter C. Austin,,,Muhammad M. Mamdani,, David N. ,Janet E. aInstitute for Clinical Evaluative Sciences, G1 06, 2075 Bayview Avenue, Toronto, Ontario, M4N 3M5 CanadabDepartment of Public Health Sciences, University of Toronto, Toronto, Ontario, CanadacDepartment of He

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