Portal literal - todos os cachorros sao cachorros azuis_rodrigo de souza leao.pdf

Este livro foi selecionado pelo Programa Petrobras Cultural Humphrey Bogart contra Charles Laughton 53 SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L476tLeão, Rodrigo de Souza Todos os cachorros são azuis / Rodrigo de Souza Leão. - Rio de Janeiro : 7Letras, 2008. 80p. Programa PETROBRAS Cultural ISBN 978-85-7577-519-6 1. Romance brasileiro. I. Título. 08-3576. Rio de Janeiro RJ cep 22461-000 www.7letras.com.br Engoli um chip ontem. Danei-me a falar sobre o sistema que me cerca. Havia um eletrodo em minha testa, não sei se engoli o eletrodo também junto com o chip. Os cavalos estavam galopando. Menos o cavalo-marinho que nadava no aquário. Ele tem um problema mental. Será que tem alguma seqüela? No fundo deste meu mundo, lá no quarto escu-recido por doses de Litrisan, veio um psiquiatra e baio-netou uma química na minha celha esquerda. Enquanto outro puxava a minha banha, esticando e esticando para que não sentisse a injeção de Benzetacil. Benzeta. Benzeta. Uma dor imensa na bunda. Tudo girando ao meu re- dor e eu girando também. Tiro uma meleca e coloco na mesa do canto, bem longe da escuridão no quarto. A es-curidão é asséptica. Só o pessoal de branco pode freqüen-tar aquela linha impura. Seguram-me de novo. Recebo o beijo de minha mãe. Deve ser dia de visita. Acordo e como uma lasca de goiabada com o sanduíche de atum que mamãe trouxe para mim. Escuto uma música tão alta que não entro nos meus pensamentos e estou fora, agora a cocaína não vai chegar. A conexão foi interrompida. Mamãe mal chega, mal vai. Ele continua achando que engoliu um chip. Ela diz que tudo começou há uns dez anos, quando Quantos grilos você me fez engolir, fi lho.
eu achei que havia engolido um grilo.
Olho o jornal e não consigo ler nada. As doses dos Quantos grilos você me fez engolir, fi lho.
remédios devem estar altas. Porque eu não fi z nem qua- Minha mãe disse isso afagando meus lábios e me dan- renta anos e não consigo ler de perto. Arregaço as man- do um beijo na bochecha. Por alguns segundos lembrei- gas da camisa e vou jogar sinuca com o Ruy Chapéu do me de algo que havia acontecido no dia anterior. Eu havia lugar, que é um gari da Comlurb, internado por utilizar quebrado toda a casa com uma fúria gigantesca. Nunca a bebida em demasia até em horário de trabalho. Antes, uma crente faz uma roda e manda que alguém reze. Nin- Foi por você não ter tomado o Haldol que você fi cou guém ali sabe rezar porra nenhuma. São todas almas sem assim, diz o chip. E eu começo a falar: Só no Anhembi é paraíso à vista. Eu começo: Pai nosso que estais no céu. Pelo menos eu sei rezar. A crente disse aleluia. Ela segu- O engolidor de espadas engole uma nesga de fogo por rou a minha mão. Eu tirei o pau pra fora e não pude jogar vez. Tá todo mundo engolindo alguma coisa neste exato sinuca. Voltei para o cubículo três por quatro, onde me momento. É hora do jantar. Mamãe se foi. A música vol- colocaram para sorrir com baionetadas nas veias. Segura a banha e estica a banha, e toma mais injeção. Entro no quarto. Tiro o pau pra fora e começo a bater Tudo começou quando engoli um grilo em São João uma punheta. Dança da motinha. Dança da motinha. Eu da Barra. Eu tinha 15 anos de idade. Estava indo ou vol- engoli um grilo quando tinha meus 15 anos de idade. Foi tando. Sempre estava indo ou voltando. Só parava pra a primeira vez que consegui conviver comigo mais inten- voar. Assim eram meus 15 anos, e foi como tudo co- samente. Salvei uma casa do cupim maldito que queria meçou. Nenhuma mulher saiu de mim. Nunca. Fui eu destruí-la. Eram cupins gigantes. Tenho certeza de que quem sempre entrou em minha mãe. Lá estava ela bela salvei aquela casa. Tenho certeza de que por alguns se- e bonita, transando com papai. E eu vi, e era apenas mil novecentos e setenta. Não foi um trauma. Eu costumava Ainda continuo na jaula. A minha boca está fechada andar com um cachorro azul de pelúcia. Meu cachorro com uma mordaça. Meus pés estão presos. não era gay por ser azul. Só era azul. Também não tinha A música sai de mim e volta, não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo. Tudo começou com as noções de feminino e masculino naquela idade, ou ti- um grilo. Havia um grilo naquele primeiro dia. Havia nha. Na verdade, eu já me masturbava, e papai, com mui- um gene também. Da mesma forma não, mas de outra to jeito, pedia para que eu tirasse a mão do meu pinto. forma. Estou engolindo tudo, o tempo todo. No canto Lembro-me de uma psiquiatra nos meus verdes 15 anos, escuro do quarto, que é onde só vão os ratos. Sou podre. que me dizia que eu era homem porque me masturbava, não tinha por quê ter crise de identidade. Eu não tinha crise de identidade, porque vivia correndo atrás daquela iria acreditar na idéia de que eu estava com um chip im- mulher no horário da sessão. Ela chegou a me ameaçar, plantado dentro de mim? Havia tanta gente, que se eu dizendo para o meu pai que se eu continuasse a querer dissesse que o Maracanã em dia de jogo do Flamengo agarrá-la eu teria que sair da análise. Ela falou que não estava ali não seria nenhum eufemismo.
agüentava dar conta de mim e reclamou porque eu não Botaram tubos em mim e começaram a fazer sucção. fazia um desenho e não brincava com a massinha. Eu imitava um golfi nho deitado no divã. Meu pau fi cava Eu via uma luz passando pelo meu corpo de menino duro e eu o friccionava o tempo todo, enquanto o golfi - de cinco anos e segurei meu cachorro azul. Desmaiei por alguns segundos. Depois Fronsky estava lá.
Uma vez, virei uma planta por uma hora de sessão. A Voltaremos para te buscar quando você tiver 18 anos.
mulher pensou que eu estava em estado catatônico. Ela Macas por todo o campo. Gente andando com soro fi cou nervosa. Foi a mesma coisa que fi z com uma namo- dependurado. Tubos saindo da boca de extropiados. Tudo rada, e ela teve a mesma reação. Fiquei sem falar e parado. ali era Acneton. Da minha veia, tiraram o meu sangue. Como se tivesse engolido uma baleia. Durante uma hora, Eu agora estava indo tirar uma chapa torácica. Como é a baleia que estava dentro, estava fora, e eu vivi preso que um cara gordo como eu pode sofrer com algum pro- dentro de um manicômio. Os manicômios são lugares blema que não seja obesidade? Eu deveria estar num spa, muito bonitos. São lugares com muitas fl ores e árvores. e não no Miguel Couto com aquela crise de dengue. Uma Não fi quei num lugar cinco estrelas, também não fi quei samambaia começou a crescer do meu lado, feito um pé no pior lugar, mas vi muita coisa quando Alfonso me de feijão. Eu fui subindo as escadas, ancorado por dois dizia que ia para Paracambi. Paracambi é aqui.
médicos fortes e gordos como eu. Havia toda aquela gen- Tudo era um pouco fi car calado o tempo todo como te pobre, superpobre: aquilo era o Brasil. Uma zona to- se ninguém merecesse que você falasse algo nobre e im- tal. Gente caída no chão. Gente chegando morta. Gente morrendo. Uma fi leira de corpos deitados com etiquetas O que todas aquelas pessoas de branco tinham a ver nos pés. Todos munidos de seus prontuários. E aqueles com o fato de eu estar vomitando sangue? Levaram-me médicos tão jovens, que não sabem muito mais do que eu para o Miguel Couto. Pensaram que eu estava com tuber- sei de biologia, fazendo gozação com a sua cara. culose. O Miguel Couto era o hospital referência para ca- sos de dengue. Havia uma epidemia de dengue na cidade. Havia muitos hipopótamos deitados. Algumas tartarugas andando de quatro rodas. Passei pela porta do hospício. Um dia completei um triatlo e terminei entre os pri- Quis me levantar e fugir. O pior: fugir pra onde? Quem meiros da minha categoria. Estou gordo agora e dormin- do como no dia do triatlo. Vivo sedado e cheio de doses Entro na fi la para tomar um café da manhã. É um café altas de remédio na veia. Tudo para ser invadido por uma com leite que tem mais água do que leite e um pão com música, tudo pra manter a boa ordem do estado. Somos uma passada de manteiga na ida. Eu pago para estar neste a minoria, mas pelo menos eu falo o que quero.
lugar, mas só a ida da faca com manteiga no pão está nos O bom do cachorro azul era que ele não crescia e custos. Hoje eu acordei querendo dizer coisas bonitas. não morria. O negócio era eu cuidar para que ele não Aproveitei um pouco de tempo que me deixaram livre envelhecesse. No ano 2000, vou ter 35 anos. Estarei tão do lado de fora e apanhei uma fl or no jardim. Levei a fl or velho que mal saberia disso. Eu escovava a pelúcia do bi- para o quartinho. O enfermeiro encrencou com a fl or. cho. O cachorro azul era a minha melhor companhia. E se existisse mesmo um cachorro azul? Seria do grande Você virou viadinho? Que coisa horrorosa é esta? caralho ter um. Será que se ele tivesse um fi lho, nasce- ria azul também? Se ele pudesse latir e pudesse comer, o Eu só queria ver algo colorido aqui do fundo.
que comeria um cachorro azul? Alimentos de sua cor? E Vou comunicar esta sua vontade a um psiquiatra e ele quando adoecesse, tomaria remédio azul? Muitos remé- falará com você. Eu aqui sou só o enfermeiro. Cuido de dios são azuis, entre eles o Haldol. Eu tomo Haldol para vocês, os enfermos. Meu cachorro azul não tinha nome. não ter nenhuma ilusão de que morrerei louco, um dia, Nada que eu gosto tem nome. Tudo que é perigoso tem num lugar sujo e sem comida. É o fi m de qualquer louco. nome. O nome não é dado a alguém para diferenciá-lo. Uma oligofrênica, dos seus setenta anos, uniformizada, Senão nenhum nome seria igual. O nome é dado para surge diante dos meus olhos e me dá um beijo na boca. você se igualar ou ser diferenciado dos outros. Ele voa. Vejo estrelas cor-de-rosa. Elefantes carregando Rimbaud Ele anda em aeronaves. Ele é o meu cachorro azul. Tem na África. Verlaine comendo sua mulher, mas pensando outra coisa boa em relação aos cachorros de pêlo e osso: em Rimbaud. Eu estou pensando em Nastassja Kinski e ele não faz cocô e nem xixi pela casa. Tudo o que te- seus seios pequeninos em fl or. Eu estou no lado escuro e nho é o meu cachorro azul. Há muito tempo que eu não mal posso me mover, mas dá para eu me masturbar mui- brincava com ele. Até quebrar tudo lá em casa. Tava um to devagarinho. Eu gozo e minha mão fi ca toda branca, tempão sem olhar pro meu amigo. Sem passar uma es- tomada de sêmen. Minha mão vira uma luva branca. Eu cova nele. E se em vez de cachorro fosse um elefante de acordo às cinco horas da manhã com o esporro colos- verdade meu bicho de estimação? Imagina a quantidade sal de um enfermeiro. Durmo mal. Acordo mal. Não sei de merda que iria fi car no meu quarto? Ia dormir na mer- qual dos dois pesadelos é o pior: acordado ou dormindo. da. Mas pelo menos teria uma ducha mais forte do que a Saio da jaula. Já estou na jaula há um bom tempo. Quan- lá de casa para tomar banho. Com a tromba ele poderia do me tirarão de lá e me deixarão fi car com os outros? me molhar todinho. Um elefante domesticado incomoda muita gente. E se eu tivesse dois? Seria um sonho. Eu ia que sou. Na prática não sou ninguém. Não adianta eu incomodar meio mundo. Ia fumar uns baseados dentro gritar socorro. Aqui todos estão sendo levados a algum do elefante e soltar pela tromba. Porque estes bichos to- lugar pior. E o inferno não é o pior dos lugares.
dos sou eu. Menos o cachorro azul. O cachorro azul é da Meu pai aparece num dos dias de visita. Foi ele quem me internou, mas eu não tenho ódio no coração. Gosto Ele diz que sairei quando estiver melhor. Movimento- Amanhã iremos à praia e jogaremos bola e devora- me em sua direção e dou um beijo em sua face. Será o remos as joaninhas e afogaremos os tatuís. Vamos viajar beijo de Judas? Será que trairei meu pai em minha lou- para Ibicuí, para a casa de amigos que serão amigos pela cura? E se agora viessem dois homens e me crucifi cassem vida toda. Eu tinha um amigo que estava com Aids, mas e me colocassem de cabeça pra baixo? Será que a cruz ia o cara foi forte e agüentou, e eu tenho que agüentar essa Antes da minha internação maior, já havia sido in- ternado outra vez, e outra vez tinha fi cado na gaiolinha. Minha mãe mentiu-me, dizendo que eu havia fi cado na ala melhor daquela clínica. Não, havia estado no Caran- Nós só fazemos eletrochoque com sedação. O doente diru. No pior lugar da clínica. Lá onde fi cavam os casos não sente nada. Quem sabe levando uns choquinhos ele sem solução. Mas eu achava que tinha solução. Apenas volte ao normal? Quem sabe tudo volta ao normal? Vivo algumas pessoas estavam me perseguindo, e se essas pes- com uma velha de noventa anos. Eu gosto dela. Ela de- soas resolvessem dar uma festa para mim naquele dia? feca em tudo. É lambona pra caralho. Mas eu gosto da Naquele dia em que a chuva abundava, foi internado o velha. Um dia a velha danou-se a comer isopor e plástico. Temível Louco. Temível Louco, quando pequeno tinha Passou mal e teve que ser internada. Enfermeira! Um gri- atitudes psicopáticas. Já havia matado muita gente, se- to lancinante vindo do âmago de um dos internos. Por gundo rezava a lenda. Temível Louco me deu um beijo na que não internam as mulheres junto com os homens? face direita e deu duas voltas em volta de mim, disse que Será que ia virar uma confusão sexual geral? Acho que seria meu amigo. Isso foi na minha última internação. louco não tem tempo de pensar em sexo. Alguns são vis- tos parados e se bolinando. Mas isso ocorre mais nas ruas. Era hora do almoço e estavam todos os loucos na fi la Estou sem o meu cachorro azul aqui, estou despido do quando chegou o Temível Louco, que cuspia onde que- ria, urinava onde queria, defecava onde queria, peitava os limpo toda hora. A cada minuto vinha um louco e cagava enfermeiros, e só não era líder, porque louco tá cada um no chão e deixava a merda toda lá. Imagina se houvesse um na sua paranóia. Louco não pensa na coletividade.
louco que fosse uma pomba. Ia sair voando e defecando Eu tinha uma paranóia muito louca. Uma espécie de por aí. Não ia ter mais careca de vovô, vidro de carro, cha- compulsão. Toda vez que me davam três remédios, eu péu ou boné sem merda incrustada. Mas loucos não voam, tinha de tomar o quarto. Eu enchia tanto o saco que me fazem sua merda parados. Às vezes se lambuzam todos.
davam quatro logo. Se tomasse três, coisas horríveis po- Minha mãe me trazia o sanduíche de atum que eu devo- rava como se fosse fi lé mignon. Eu tinha saudade de casa. O Temível Louco começou a comer tudo o que via. Mãe, quando eu vou sair daqui? Vou sair pior do que Mordeu a falangeta de um outro louco. Foi repreendido por enfermeiros. Todos os enfermeiros eram gordos. Os Se ameaçar, a gente fi ca mais tempo. Por que você só Eu sempre dava um cigarro para um louco que, na Um dia vinha minha mãe e no outro vinha o meu hora do almoço, dava cabeçada nas paredes. Imagina se pai. Parecia que eles tinham a consciência pesada por ter esse doido fosse jogador de futebol. A cabeçada dele ia ser poderosa. Acostumado a cabecear paredes, ele ia estourar todas as bolas que cabeceasse. Quem sabe a seleção brasi- Mas consegui livrar a casa dos maus espíritos.
Toma um cigarro. Fuma o cigarro todo. Vê se não dá Lá vem a turma me aplicar as injeções. Eles puxam a Eu já estava tomando tanto remédio, que estava com aquela baba elástica bovina e viscosa, como dizia o escritor.
Depois do almoço eu contava as estrelas do céu e não Eu quero uma injeção de Benzetacil. Benzetacil por via nenhuma. Depois do almoço eu defecava no banhei- conta de uma ferida que tenho na perna. Preciso perder ro aquela comida ruim. Não havia nenhum interno que 50 quilos. Uma enfermeira disse que eu era até boniti- agradecia por aquela comida com uma boa oração. Só nho, mas precisava perder uns quilinhos. Eu podia fazer porque o cara é louco, tem que comer o pior. Lasca de o programa das Casas da Banha. Vou dançar o chacha- goiabada. A única coisa boa era a lasca de goiabada. Era o chá. Casas da Banha. Era um porco. Suíno. Sujo. Não tipo de goiabada cascão que grudava no dente. Os loucos tinha noção do que era degradante. Mas um dia, sem comiam. Minha mãe, toda vez que vinha me visitar, me dúvida, ia criar alguma espécie de biodegradado, remover mandava tomar um banho. Eu tomava um banho onde minhas impurezas e fi car limpinho. Limpo por fora. Por os outros tomavam. Era um lugar limpo, que tinha de ser dentro estaria sempre com aquelas marcas que os animais deixam, das mordidas. Com os hematomas na alma. Es- estar sozinho. Chorei por não ter um emprego. Chorei taria sempre me procurando e encontrando pedaços aqui por não ter uma mulher. Chorei por não ter fi lhos. Cho- e acolá. Temível Louco passou ao fundo. Ele já estava fora rei por não ter uma família. Chorei por ter 37 anos de idade e viver ainda como um adolescente. Por que você está chorando, Gordo? Eu choro pelos A primeira liberdade é sair do cubículo. A segunda gordos do mundo, pelos que querem comer agora uma liberdade é andar pelo hospício. Liberdade, só fora do torta de maçã, um brigadeiro. Mas não têm dinheiro pra hospício. Mas a liberdade mesmo não existe. Estou sem- comprar todas as guloseimas do mundo. Eu mesmo choro pre esbarrando em alguém para ser livre. Se houvesse li- porque queria te comer. Oh fi lho da puta! Te comer assa- berdade o mundo seria uma loucura com todo mundo. do. Ia fazer que nem os canibais e ia comer gente. Mas eu Eu podendo sair por aí com Rimbaud e Baudelaire. Via- prefi ro não ser tão doido e comer açúcar. Bomba de cho- colate, mil-folhas, sorvete de fl ocos, cocada, pé-de-mole- Rimbaud matou uma onça que circundava o meu que. Ia virar a Dona Redonda e estourar de tão gordo.
corpo outro dia, de noite. Outro dia, de dia, comemos A única hora em que eu saía do cubículo era no horá- junto a gororoba do hospício. Eu e Rimbaud. Ele está rio das refeições. Mas tinha um enfermeiro que não tirava internado devido a drogas. Ele manca um pouco. Deve o olho da turma nenhum minuto. Imagina se eu fosse ter seus quarenta anos. Cheguei a perguntar por que es- um funcionário do hospício? Deve ser muito difícil lidar creveu tão pouco. Ele me disse que detestava escrever. Eu com toda aquela clientela, com gente de todo tipo. Com gosto é de sentir o vento sobre os meus cabelos. Há brisas caras da zona sul e com garis da Comlurb. Com velhi- perigosas para um cara franzino como Rimbaud, mas ele nhos oligofrênicos e com Procuradores-Gerais da Repú- é um cara safo, sabe se livrar das adversidades. Logo esta- blica senil. Os loucos mesmo devem ser os mais fáceis de ser cuidados. Todas as vezes, eu desacreditava em Deus. De volta ao cubículo e às injeções. Eles não confi am Se havia um lugar como o hospício, era sinal de que Deus mais em mim. Só me dão remédios via injeção. Acham que não existia. Ou ele existia e não queria saber de quem eu vou cuspir o remédio ou malocar em algum lugar. Que estava dentro daquele pequeno inferno.
raiva têm de mim esses médicos? Vêm cinco me segurar. Eu era menino ainda e estava no clube me divertindo Eu me debato como uma baleia. Mas depois fi co quieto. na piscina, quando vi uma criança pequena, menor do Depois me aquieto. E quase não sinto devido a tanto que que eu, quase um recém-nascido, se afogando. Eu fi quei puxam a banha. Eu quase nem sinto a dor das injeções.
impactado pela cena e demorei a salvar a criança. Fiquei Abriu um belo arco-íris que só eu via através de uma ali parado. Abobado. Veio outro guri. Foi mais rápido, janela ao longe, bem ao longe. Aquele dia eu chorei por pegou a criança que se afogava e tirou-a da piscina. Fize- ram uma festa para o herói. Uma festa que era pra mim. Se isso ocorresse eu te tiraria daqui na hora, meu fi lho. Fiquei quieto no canto. Percebi neste dia que uns nascem Você está aqui para melhorar. Parar de destruir a casa de pra ser heróis, outros nascem pra ser seres comuns. Eu estava condenado a ser um ser comum. Jamais seria um Na verdade, tinham matado um cara lá dentro. Um policial militar atirou no outro com uma arma branca. Eu voltava pro cubículo. De bom só a goiabada e a bundinha da enfermeira. Às vezes eu vou dormir e fi co Todo dia antes de dormir eu rezava a ave-maria. Todo pensando na enfermeira da noite. Ia gozar só de botar o dia eu pedia a Deus que me tirasse dali o mais rápido meu corpo sobre o dela. Só de poder sentir sua carne possível e que o mais rápido possível fosse o dia seguinte. sob a minha. A primeira vez que fi z sexo foi com um Depois eu não acreditava nem em Deus e nem na Ave javali. Seguraram o bicho pelas patas e falaram penetre. Maria, mas eu rezava. Não custava nada rezar. Não paga- Eu penetrei quinze centímetros dentro do bicho e aí o va nada pra pedir. Algum cristão, num dia de domingo, soltaram. Eu gozava justamente porque o javali pulava aparecia bem perto da minha cela e deixava um folhe- e pulava. O cu do bicho era espinhoso. Doía meu pênis. tinho. Eu olhava e lia quando as doses não eram altas e Como doía meu pênis! Depois de muito tempo o bicho me deixavam ler, depois rasgava o papel. Meu Deus! Os fi cou cansado. Gozei seis vezes direto. Acendi um baseado, crentes estão ganhando o mundo. Até aqui eles vinham ele foi pra outra esquina, e eu fi quei ali chapado. Eu usei para angariar os fodidos. A religião virou uma sacanagem muitas drogas na adolescência. Uma vez, quando tomei do caralho. Acho que sabiam que havia muitos alcoóla- um chá de cogumelo, fui parar nas cisternas da casa, ba- tras lá dentro. A religião não é só o ópio do povo. Mas é tendo um papo fi losófi co com o meu eu. O pior é que eu o que mantém o povo feliz. Triste do povo que precisa da encontrava respostas. Nem sabia que tinha um eu supe- religião para se apoiar. É pior do que um louco que tem rior. Arriscava umas perguntas sobre o futuro e o eu me cura, mas precisará sempre de um apoio de outra pessoa dizia tudo. Só que depois da ação do chá de cogumelo para ser feliz. É melhor ser louco incurável.
não me lembro de nada que o eu disse.
Temível Louco comia a comida dele com a mão. Di- zem que ele matou gente e tudo. Sei que nos dias de visita Eu ouvia os tiros da ação. Andava de um lado pro outro. Minha adrenalina aumentava na madrugada. A As pombas voavam no céu, prontas para defecar em madrugada começava com aqueles tirambaços. Será que alguma cabeça ou algum vidro de carro. Lembro-me de uma vez em que um doente mental levou formicida para Ontem, mãe, deram tiros aqui dentro. Conta pra mim o dar às pombas. O resultado foi aquele rastro de pombas que houve? Conta pra mim? Você sabe que eu sou curioso.
Havia um louco ali que era homem, mas se vestia de minarem. Sou importante, porque sei peidar sem sentir mulher. Gostava de dar cabeçadas na parede e vivia tre- o próprio cheiro. Desenvolvi uma técnica de fi ltragem. mendo. Outra, lembrava a minha avó por parte de mãe, Brincadeira à parte, sempre me senti um ser perseguido. sempre muito elegante. Outra, ainda, tinha hábito muito Ando nas ruas sempre olhando pra trás e de vez em quan- estranho: enchia um copo inteiro de café e outro de leite do saio em desabalada correria. Uma vez meu psiquia- e tomava cada um sem misturar. Não era coisa de gente tra pegou o ônibus comigo, só pra provar que não havia louca. Uma vez cheguei perto dela e ela falou de Herácli- problema nenhum em andar de ônibus no Rio, na zona to e Parmênides com um sotaque espanhol. Era chilena. sul. Morreu em 2000 paus, mais o relógio. O ônibus foi Criei uma fi cção na minha cabeça de que lutara por Al- lende e perdera como todos os chilenos. Fora perseguida Pegaram uma interna e arremessaram. Os doidos ta- política. Recebeu os maus-tratos do estado. Foi torturada vam arremessando todo mundo que aparecia na frente e acabou num hospício do Brasil. Ela era professora de deles. Jogavam num barranco. A pessoa podia se machu- sociologia. Com certeza, devia ter fi lhos que não sabiam car, mas os outros loucos riam e queriam mais. Forma- de seu paradeiro e viviam de lugar em lugar procurando vam uma fi la para ser arremessados barranco abaixo.
A noite chegava e com ela vinha o pior: a trilha sono- a mãe. Quantas coisas os governos fazem para destruir ra. O hospício fi cava do lado da favela. Era funk a noite a vida dos que incomodam. Incomodar parece ser con- toda e o dia inteiro. Lacraia, lacraia, lacraia. Vai, Sergi- dição de bom funcionário estatal. Ver as maracutaias e nho. Dormir ouvindo aquele lixo. Aos berros! não fazer nada, ver o povo perdendo força, o povo sem Eu achava que ali havia uma porta muito estranha de dinheiro perdendo dinheiro, pagando salários altos aos onde as pessoas não mais voltavam. Entravam por aquela porta e sumiam. Ficava de olho. Há dois dias que a chile- De súbito, ouvi berros. Desespero. Alguns internos estavam fazendo arremesso de oligofrênicos. Pegavam e Eu vou pra Paracambi. Se você não comer, vai pro jogavam oligofrênicos pra cima e numa vala também. In- ternos menos loucos comandavam o evento. Sim, aquilo Não agüentava mais fi car no cubículo. Estava so- frendo com problemas nas articulações. Nenhum louco Eu continuava com a minha paranóia e com o meu merece aquele tratamento. Sei que no meu caso era um chip implantado dentro de mim. Tinha engolido um gri- castigo por ter quebrado a casa toda. Era algo que funcio- lo aos 15 anos. E com seis, fui visitado por extraterrestres que me buscariam em casa aos 18. Já havia passado dez Já tive que escrever 200 vezes, detestando o professor de anos e os extraterrestres não vieram me buscar. Fronsky matemática, “eu gosto do professor de matemática”. Agora não veio me buscar. O chip é para a cia e a kgb me do- o copiar e o colar do computador acabou com o castigo.
Quando vinha o sol, ia pingando um a um cada fun- brava infância. Lembrava o nordeste. Eu queria comer cionário. O hospício cheio. Estava superlotado. Era do- uma maçã. Há muito tempo não tinha uma maçã. Fruta mingo, dia de visita. Havia horário para visita diária e dia ali era banana. Eu queria maçã, abacate. Estava seco por de visita universal, que era o domingo. Eu ainda estava com o meu chip, que às vezes me incomodava fi sicamen- Entrou uma barata no cubículo. Tive que matá-la te. Pensava até que ponto o meu chip era um derivado do com a mão. Não havia outro instrumento ao meu alcan- grilo de antes. Tinha momentos de lucidez. Eram pou- ce. Os cubículos são feitos pra pessoa que está dentro não cos, mas tinha. As drogas usadas às vezes têm ação sobre ferir ninguém, mas também não se ferir. Pra não me ferir o organismo. Mas tem gente que não melhora nem com não havia nada no cubículo. No começo da internação remédios. Pra que serve internação então? Pra reunir o às vezes fi camos amarrado. Cada um tem um tratamento que varia de acordo com a sua periculosidade.
Quando o hospício estava cheio, era a hora de fi car Há muito que não se fazia mais a operação de lobo- quieto. Qualquer coisa e você poderia ser amarrado à tomia. As práticas de eletrochoque só eram ministradas cama. Dentro do cubículo e amarrado era a morte. Mui- com sedação. Havia a luta antimanicomial. Mas onde tos alcoólatras viviam amarrados devido à síndrome de pôr as pessoas que não têm família e são casos perdidos? abstinência. O grande mal das clínicas é que elas mistu- Eu tinha medo do futuro. Talvez fosse aquele mesmo, conviver com todo o tipo de gente. Gente sã, gente doida, Tinha vontade de comer o bolo da vovó. Mas eu não policial, gari. Não tinha nada contra os garis, eles eram tinha mais vovó. Muito menos o bolo da vovó. O que muito limpos e sempre queriam fazer uma faxina. Mas o havia era uma paçoca de fubá, muito sem gosto. Mas que dia inteiro preso, vendo tudo de longe. Era triste. Caiu todo mundo comia arregalando os olhos. A comida de um toró. Chovia. Ficava mais triste. Eu não me lembrava hospício era aquela comida feita pra duzentas pessoas por de um amor. A última vez que fora amado, ela disse que vez. Era Matrix. Não tinha tempero. Era muito ruim mes- não me amava. Tinha se apaixonado pela loucura que há mo. Mas fi ca até chato reclamar, quando tem tanta gente em mim. O louco às vezes é muito sedutor. Sentia sauda- passando fome e quando tinha gente dentro do hospício de de ler um bom livro num dia de frio, num dia de calor que achava aquilo a oitava maravilha do mundo.
também. Sentia vontade de ler um Henry Miller.
Havia muitos morros em volta do hospício. Em vinte Eu estava ali há dez dias. Há dez dias que comia mal. anos tudo estaria tomado pela favela. O morro ia comen- Pelo menos ia emagrecer. Tinha saudade da comida de do o morro, e cada vez mais existia menos lugar verde casa. Quando não tinha goiabada não havia nada de que e mais telhado e casas insalubres. Naquele cubículo era gostasse. Mesmo que grudasse nos dentes, era boa. Lem- sempre inverno. Sempre fazia frio. Eu não me incomoda- va, gosto de frio. A gente não tem que tirar a camisa. Ne- Eu não quero ir pra Clínica e nem fi car aqui.
nhum gordo gosta de tirar a camisa. Mostrar as banhas E comecei a quebrar o consultório do médico, até vir não é o melhor programa para um gordo. Detesto espelho. Espelho só serve pra mostrar como a gente piora com o tempo. A primeira coisa que quebrei lá em casa foi o espelho. Nem me importei com os sete anos Um dia ainda sobrevivo pra mostrar todo este jogo de azar. Depois fui pras bebidas e, tomado de uma loucura inconteste, fui jogando, uma a uma, as garrafas de uísque Fui pra perto do Cristo. Da minha cela dá pra ver o no solo. Ficou um lugar perigoso. Um mar de cacos de Cristo. Colocaram-me lá pra ver se eu morro um pouco vidro. Algumas coisas não quebraram, como o vidro da de vergonha por não crer em Deus. Havia borboletas por grande mesa da sala, que se mostrou indestrutível. Um en- todo lado. O hospício era um lugar cheio de fl ores lindas, feite da mesa também era inquebrável. Havia coisas que se mas podre por dentro. O modelo hospício tinha que ser derretiam só de tocar, que se autodestruíam com um afa- mudado. Mas como a minha família me agüentaria que- go, e outras que se mantinham impávidas. Meu pai veio e brando tudo? Nas horas em que me vem uma pertinência pediu para que eu parasse. Eu não parava. Minha sobrinha maior, vem a pergunta: o que eles poderiam fazer? No pequena gritava. Meu irmão gritava. Minha mãe gritava. dia da crise não se pode fazer nada. E o que fazer pra não Minha irmã gritava. A empregada lá de casa gritava.
Você é um caso perdido. Você é um idiota, você é gor- Isso eu quebro e vou quebrar mais. Eu quebro. Eu do e escroto. Você só fala isso, porque estou amarrado.
Tudo fi cou dourado. O céu dourado. O Cristo dourado. A ambulância dourada. As enfermeiras douradas tocan- Tudo fi cou azul: o bem-te-vi azul, a rosa azul, a caneta Quebrei, porque sou feito de cacos e quando os cacos bic azul, os trogloditas dos enfermeiros.
me convidam, desordeno tudo. Tudo estava muito cal- Tudo fi cou amarelo. Foi quando vi Rimbaud tentan- mo. Menos eu. Engoli um chip. Bebi um chope na rua e do se enforcar com a gravata de Maiakovski e não deixei.
botaram um chip dentro do chope. Engoli o chip que faz Pra que isso, Rimbaud? Deixa que detestem a gente. com que eu faça tudo isso, até o que não quero. Deixa que joguem a gente num pulgueiro. Deixa que a Mas eu só podia me ferir com tantos cacos, ainda vida entre agora pelos poros. Não se mate, irmão. Se você morrer, não sei o que será de mim. Penso em você pen- Você vai ser removido para a Clínica. Nós estamos sando em mim. Rimbaud, tudo vai fi car da cor que qui- ser. Aqui não dá pra ver o mar. Mas você vai sair daqui.
Tudo fi cou verde da cor dos olhos do meu irmão Bru- no e da cor-do-mar. Do mar. Rimbaud fi cou feliz e resol-veu não se matar.
Tudo fi cou Van Gogh. A luz das coisas foi modifi cada.
Enfi m, me deram uns óculos. Mas com os óculos eu Foi como mergulhar. Finalmente, me tiraram do cubícu-lo. Eu passeava agora como igual entre os iguais. Alguns me olhavam com medo. Outros me pediam um cigarro. Se você um dia for visitar um hospício, leve um cigarro. Todo mundo fuma. Imagina aquela turminha fumando uma tora, uma bazuca das boas. Eu me sentia livre como uma borboleta dando o seu primeiro vôo. Eu sabia que aquele era o primeiro passo para sair daquele lugar.
Rimbaud aparecia e me mostrava alguns novos amigos. Peter Perfeito gostava de andar de mãos dadas com Clark Kent. O Demolidor beijava o Batman. Havia amor livre naquelas brincadeiras de homenzinhos de Rimbaud.
Rimbaud, pára de brincar com homenzinhos.
Foda-se você, que não sabe brincar. Meu negócio é brincar. Eu brinco. Brinco. E brinco.
Rimbaud tirou do bolso um boneco do Coringa e me disse, você tem o sorriso do Coringa. Não sei se você é uma alucinação minha ou se sou uma alucinação sua. Puxei para os meus pulmões o ar da liberdade e deixei Talvez eu não tenha andado tanto assim na noite es- cura. Foram só uns três quilômetros no breu e o que ele viu foi um ritual de magia negra. Depois engoliu este grilo. O grilo que engoli é o mesmo chip de hoje.
Ele é doente mental, esquizofrênico. Tem distúrbio Eu já tive vontade de ir pra cama com minha tia. Mas delirante, tem delírios persecutórios. Ninguém acredita nunca pude. Já quis comer a prima. E prima é manjar numa pessoa com distúrbio delirante e delírios persecu- dos deuses. É a coisa mais bela que Deus pôs no mundo. tórios. Aquela pessoa pode estar sendo perseguida real- Minha tia era mulherão. Tinha um metro e setenta e cin- mente e ninguém acreditar na história dela.
co. Grandes coxas e bunda. Nunca tive vontade de comer Rimbaud e seus bonecos. O Falcom está fodendo a minha irmã. Era tão chata que nem dava pra sentir tesão.
Sai, Rimbaud. Enquanto você não virar adulto, não Um bando de formigas foi saindo uma a uma de seu formigueiro. Formaram um exército poderoso, entraram Estendi minha mão para Temível Louco. Temível fez no meu quarto e levaram Rimbaud. Formigas são mais nojentas que baratas. Rimbaud berrava e esperneava e ninguém fazia nada. Fui atrás do cortejo. Parecia um de- Você é papai. E papai bate em mim.
senho animado. Fui entrando mata adentro. Rimbaud foi Descobri, então, que devia ser parecido ou lembrar posto em pé por dois curandeiros e quando foram cortar o pai de Temível. Ele tinha medo de seu pai, conseqüen- seu braço, dei um grito de ataque Sioux, que aprendi nos temente, tinha medo de mim. Fiquei contente. O cara fi lmes de Daniel Boone. Todos correram. Não foi a pri- temido por todos tinha medo de mim. Logo eu, apenas meira vez que ajudei Rimbaud. Ele não sabe sair de suas encrencas sozinho. Tenho sempre que intervir para salvá- Peguei um dos bonecos do Rimbaud e esfreguei na cara dele. Não vê que isso é coisa de criança? O bom era que eu passava os dias sozinhos no quarto. Eu quero ser criança. Eu sou Rimbaud.
Eu e Rimbaud passávamos as tardes jogando pôquer.
Graças às injeções de Benzetacil, estava curado da eri- Rimbaud não estava acostumado às modernidades. sipela. Passaram a fornecer-me a medicação via oral. Eu Era um cara vindo de outra época. Tinha que aprender tudo. Nunca mais escrevera um poema. Mas era um bom cuspia tudinho. Escondia entre a língua, abria o ralo e companheiro para as horas perdidas e para o pôquer.
Colocaram-me no quarto com mais dois. Rimbaud, você dorme no chão. Só que os outros dois não agüenta- Depois de um tempo, veio um depressivo para o meu ram dormir comigo. É que eu roncava muito. Voltei a fu- quarto. Ele dormia o dia inteiro. Dormia com a mão es- mar e depois parei. Vomitava muito. O resultado foi que tendida no chão. A mão parecia uma cobra, uma naja que fi quei um tempo sozinho num quarto com três camas.
às vezes crescia e vinha atacar a mim e a Rimbaud. Vocês devem estar se perguntando se meu relacio- Nem eu pedindo e ligando para ele, nem deixando reca- namento com Rimbaud era sexual. Apesar de saber que do, Baudelaire atendia. Ele tinha um gênio danado. Mau Rimbaud era apaixonado por mim, eu não dava muita humor. Mas naquela tarde ambos estavam lá, Rimbaud corda, para não ferir o coração do poeta. Afi nal, eu só e Baudelaire, conversando sobre poesia e vida moderna. queria amizade de homens. Rimbaud se comportava E de repente ela passou por mim. Veio de branco, toda muito bem e jamais saía do meu lado. Era um amigo fi el, de branco, perfumada e linda. Branca tipo porcelana. Fui Ele gostava de fl ores. De vez em quando, estávamos cin- “ela vem toda de branco, toda molhada e despenteada gidos de fl ores. De vez em quando, andávamos nus. Eu gor- do e ele bem magro. Fazíamos a dupla o gordo e o magro.
Jorge Ben me pegava pelas mãos. E eu olhava aquela mulher de jaleco passar. Rimbaud e Baudelaire sumiram. Mas então Rimbaud voltou com uma margarida na ca- Um dia, salvei uma casa de seus cupins malditos, algo beça, colocada no ouvido esquerdo, e dançou e dançou. sobrenatural. Os cupins estavam incrustados em tudo. Ri com ele e ri dele. Rimbaud me divertia. Muitas pes- Deixei cupins apenas nos chifres do diabo. O resto dos soas devem se perguntar se Rimbaud teve culpa de eu ter lugares fi caram livres dos cupins. Eu já manifestava ter quebrado toda a casa. Claro que foi Rimbaud quem me poderes aos 15 anos de idade. Era um verdadeiro emana- dor de poderes transcendentes. Havia engolido um grilo Eu não virei mais homem por ter quebrado minha casa. Este Rimbaud às vezes me põe numa furada. Fico Você está louco. Cruz credo, você precisa ser tratado.
tempos sem vê-lo, mas ele sempre volta.
Ele está ótimo. Precisa é de umas boas porradas.
E apanhei de tamburete.
Foi a última vez que apanhei, depois que cheguei ao Parei de levar baionetada. Comecei o medicamento oral. A medicação oral é fácil de ser burlada. Sei quais os Isso é coisa de homem, achar que foi pego por um remédios que tomo. Cuspo sempre no ralo os que não grilo? Você é que é um grilo falante. quero. O ideal para coibir isso seria medicamentos efer- Eu ainda não era amigo de Rimbaud. Se ele já fosse vescentes. Os oligofrênicos não têm consciência nenhu- meu amigo não deixaria eu apanhar tanto.
Tinha um outro amigo, o Baudelaire, que aparecia só de vez em quando. Mas com ele era outra história. Hora de ver televisão. A hora em que a Família Adams Senhor, há uma série de agentes da kgb circundando se reunia. Os doidos todos se reuniam para ver novela. Um sargento, um gari da Comlurb, outros oligofrênicos Ele está velho, com 75 anos. Já é um pouco de seni- e um que de dois em dois minutos dava uma cabeçada Meu irmão veio me ver e lembrou o fi lho dele mais Já falei pra esse doutorzinho que ele vai quebrar a ca- beça. Vai ter um derrame sério. Eu blsjdsomdkm0ooooe- É você, Erbert? Venha falar com seu pai! Os agentes da cia estão em volta do recinto. Estamos todos sendo Ninguém entende o que você fala. Louco burro. Eu vou pra Paracambi, se você morrer, vai pro Caju.
Por que todos os loucos têm paranóias iguais? Sempre Quero sair desse lugar, quero ir embora pra Pasárgada.
estão sendo seguidos por um agente secreto. A cia quase Sabe a Ana? Vai matar o Marcos. O Olivier vai voltar sempre está envolvida. O meu caso mesmo (ter engolido pro Marcos. O Pereira termina com a Maju. A Lina vai um chip) só foi possível graças à cia e à kgb. acabar com o Maciel. Ernesto vai bater no Parado. Dentro de mim a ação do chip era estranha e aos pou- cos eu vinha entendendo o seu funcionamento. Quem Eu sou o samba. Eu sou Jesus Cristo. Eu sou tudo e nada. Sou louco legal. Eparrei, Iansã! Ogum bolum ai iê.
Ele verifi cava a minha pressão com um aparelho que Rimbaud dançava ao som do rap do lixeiro da ele mesmo inventava. Eram formas estranhas de se verifi car Comlurb. Ele estava lá se desintoxicando.
Vê, meu fi lho. Você tá aqui pra se desintoxicar. Seu Ele tinha uma medicina toda própria. Fazia alguma fi lho não vai querer te ver assim.
espécie de curandeirismo. Rimbaud me disse que quem curou o meu problema na perna fora ele. No entanto, Eu me ilhava em mim. Enquanto todos viam tevê, Rimbaud era manco. Ele dizia, quando eu duvidava, que eu jogava paciência com Rimbaud no quarto vazio. Rim- o poder dele era para os outros e não podia ser usado em baud me olhava. Tentava me tirar a concentração.
Olhei o horizonte. O céu veio se abrindo. Por que o azul do céu é tão azul aqui no hospício? Por que são mais Pai, onde você está morando? Você mora aqui em casa? Meu pai era médico. Passava dias fazendo plantão. A natureza é tão linda e lembra um cemitério.
Depois que eu falei aquilo com ele, passou a dar menos De maca entra pela primeira vez e vai para um quarto plantões. Meu pai sempre foi um bom homem, muito Eu fazia muita confusão no colégio. Havia sido ex- tudo o que faço e tenho noção quando faço merda: quan- pulso de quatro colégios. Estava com 16 anos, na quin- do me fazem engolir um chip e eu quebro toda a casa. ta série. Avisaram-me que eu tinha que fazer o supletivo Esta é a cagada que fi z. Com quantos anos se é feliz? Só com os adultos, de noite. Meu pai chorou tanto. se é feliz no passado. Estou sozinho no quarto. Ninguém Foi isso durante toda minha vida: fazer meu pai chorar.
vem me visitar há algum tempo. Não fi z mal a nenhuma pessoa para estar preso. O único prejudicado com minhas atitudes sou eu mesmo. Um americano foi internado na clínica. O cara tinha Mentira! Sua mãe vai ter um prejuízo com as coisas Mother fucker. Fire in the line zone, gritava. O sargento logo se enturmou com o americano.
Por que fi z isso? Essa culpa não sai de mim. Ter der- rubado uma porta. Uma porta caquética. Por que eles chamaram a polícia? Hoje em dia é a polícia que vem Rimbaud fazia uma dança chamada a Dança do Peli- buscar. Bati boca com os policiais, fi z eles entenderem que cano Azul. Era uma dança cheia de meneios com todas as era um chip. Havia um que nem sabia o que era chip.
partes do corpo. Diz ele que aprendeu na África. Mas será Queria era passar a algema na minha mão. que havia pelicano na África? Ele era livre pra dizer o que quisesse. Aliás, todos nós somos, mas se é verdade ou não, aí são outros quinhentos. A verdade pode ser uma inven- Com 15 anos, tive o meu primeiro ataque, aos 36 ção tão malfeita e, ainda assim, convencer todo mundo. ainda estou tendo problemas. Qual será o próximo pro- Basta usar da força. Ou abusar da crendice.
Eu já defequei em mim mesmo. Já mijei na cama no Chove e choro. Choro e chove. O som do funk estu- primeiro dia do hospício para não sair de onde estava. Esta é uma vida cheia de atos abjetos. Uma vida cheia de medos.
Nunca comi merda. Nem sou dado a rituais macabros Imagino que estou fora deste lugar, eu promoveria de existência. Sou um louco light, versão diet. Apesar de uma puta festa lá em casa. Rimbaud apareceu. Onde es- o meu problema com o chip ser punk demais.
Quando era criança, queria ser bombeiro. Tinha rou- pa, carrinho e tudo. Tinha um sorriso tão feliz, que nun- Detesto Baudelaire. Ele tem um jeito de velho. É ca mais tive. O sorriso encardido pelo tempo naquelas muito formal. Eu quero estar com você. Não vai me dizer fotos-pôster. Vivia feliz como Rimbaud. Hoje penso em Eu vivia distante. Naqueles dias de adolescência. Hoje chegaremos a Cabo Frio. Daqui a duas horas, Peguei um ônibus sozinho de Campos pra São João da em Búzios. Mataram um menino em Búzios. Tão dizen- Barra. Peguei o ônibus errado. Só. Sozinho. O resultado do que foi seu tio. Seu tio é viado, mas não anda com é que fi quei andando por três horas no meio de um ma- criança. Ele nunca botou a mão em um de vocês.
tagal. Não podia viajar, porque fazia merda. Viajei certa Eu estava no trabalho e ouvi minha mãe mandar eu vez para o Rio Grande do Sul e dormi fora da casa do ir embora pra casa. Eu sabia que meu avô estava mal de meu amigo gaúcho. Fui parar na polícia, acusando o meu amigo de nada. A polícia não me levou a sério. Este é mais um louco. Os pais devem penar. Olha só que his- A morte é uma novela da Globo, fi lho.
tória sem pé nem cabeça! Pode andar por aí. Vai lá até o Temível passava numa cadeira. Era tão gordo que não Uma mariola. Quem quer uma mariola? Uma mario- Como uma poia dessa pode ser o Temível Louco? la. Quem quer uma mariola? Quem quer comprar uma Acho que só chamando o Batman pra resolver aquele O sol era um sorvete de manga. Havia calor pra ir à Foi morto hoje no hospício da cidade o cidadão Te- praia. E todos ali queimando feito sardinhas na frigideira. mível Louco. O mesmo que atazanou a população do município por 15 anos. Para alguns, foi enforcado. Para Ouvi um berro lá de dentro. Corri para ver e Temível estava emborcado num canto do seu quarto. Quem mata- Desliga a tevê. É isso o dia todo.
ra Temível Louco? Foi você. Ele tinha medo de você. Você vai ser crucifi cado. Temível tivera um ataque cardíaco. Ninguém viu. Mas tinha um louco que repetia que era eu Outro grito de terror. Roubaram-me alguns folheti- o culpado. Foram infi ltrados entre nós detetives A e dete- nhos crentes e mais mil dólares. Eu começava a descon- tives B para ver quem matou Temível. Eu era inteligente e fi ar de minha sombra. Será que Rimbaud está envolvido? já tinha sacado que os polícias estavam infi ltrados.
Ele não gostava de tevê. Estou com medo de Rimbaud. Os dias passavam e as noites eram calmas. Todo mun- do dormia bem. Acordados apenas eu e Rimbaud. Será Seu tio é viado (hahahaha.). Cuidado, que ele pode que alguém matou Temível? Tem muita gente aqui. Ele não se dava com ninguém. Era um louco de jogar pedra, Não fala isso, senão vai piorar a situação de seu tio. Deve ter sido alguém de fora que comeu o garotinho.
Meu tio era um gaiato. Ele gostava de tomar café. Você vai tomar choques, mas é com sedação. Gostava de tomar o café de graça. Ele almoçava em bo- teco. Em boteco bem xumbrega, desses com ovo rosa e O choque com sedação não provoca aquela tradicio- Malzbier. Comia a comida vagarosamente. Pagava pela nal contração muscular. O resultado é o mais próximo de comida. Conversava com todo mundo do boteco. Ficava amigo do pessoal. Adorava uma boa piada.
Rimbaud me apareceu e disse que tudo ia correr bem.
Você tá com a cara manchada.
Onde?Ele apontava para o rosto do cidadão.
A noite chegou e fazia frio neste dia. A vontade era a de acender uma fogueira no hospício. Uma grande fo- O cara saía e ia ao banheiro. Meu tio aproveitava e to- gueira. Mas os agentes B estavam trabalhando no caso da mava o café do cara e se mandava. Fez isso muitas vezes. Um dia, numa das cinco vezes em que fez refeições em boteco, no quinto golpe, o café estava quente demais. Ele Sei lá. Eu tinha que dar uma de louco. E fazia muito demorou. Veio o cara e deu-lhe uma porrada. Ele apa- bem quando queria. Não tente dar uma de mais louco do nhou tanto, que nunca mais repetiu a sacanagem.
Meu tio tinha dinheiro, mas fazia isso pela adrenalina.
Muita gente faz coisa só pela adrenalina. Sua voz não tem nada. Nem grave é. Mas devia parecer com a voz do pai. Explicação insufi ciente. Você conhecia Temível Louco Sai daí, seu fi lho-da-puta. Cuidado.
Aquele interrogatório era foda. Eu era incapaz de fazer Fui para o quarto para não ver minha adrenalina crescer. Estou só. Este mundo é assim. Cadê o Baudelaire? Vamos fazer uma fogueira. Tá cheio de louco aqui. É tão triste ter como amigos duas alucinações. Uma que está comigo quase todo o tempo e a outra, que me O louco que tinha uma naja nas mãos não estava mais aparece de vez em quando. Sai Rimbaud, você é só uma lá, havia recebido alta. O quarto estava livre. Bati uma punheta pensando na enfermeira mais gostosa. Aquela do Os médicos da clínica tratavam as pessoas no varejo.
ela vem de branco. Depois ouvi o sino para os remédios. O sino ecoava estridente pelos sete cantos do hospício. A Foi você. Você estava perto. Ele tinha medo de você. Não fui eu.
Rimbaud surgiu rebolando e cantando Light my fi re. Foi você quem matou ele. Foi você. Você matou Temível Há dias que eu não via Rimbaud. Baudelaire também havia sumido. Era melhor fi car sem eles.
Passei a conviver com mais aquela paranóia na cabeça. Sentia falta do meu quarto. Do meu cachorro azul. Eu Não sabia mais se tinha alguma participação na morte de nunca havia dormido fora de casa, na casa de amigos.
Na casa de meu amigo, vi o Esper na televisão. Comi almôndega. Eu não tinha problemas pra comer. Sempre comi de tudo. Dormi no chão.
O café na mesa. Torradas. Geléia. Nescau. Queijo Quando meu primo ia lá em casa, meu avô dizia: Pão com uma ida de manteiga. Mesa do hospício.
Não dou. Teu primo quer que você vá trabalhar em Meu quarto (até então eu estava sozinho) vai fi car su- Só se for de Brasília. Tenho que me formar primeiro. Daí eles morreram naquele acidente aéreo.
Três da manhã. Acordei e fui mijar. Vi no escuro um pm se esfregando no outro. No dia seguinte nem me lem-brava mais disso.
Não beijei a primeira garota que amei. Fui beijar ou- Se há algo que incomoda alguém é um karaokê. Era tra menina pra aprender e só depois beijar de um modo todo mundo querendo cantar a toda hora. O oligofrênico melhor a que eu amava. A que eu amava viu e me deu o cabeceava Andança e Festa do Sol. Por que estes karaokês são feitos com música que todo mundo sabe cantar? Compraram um karaokê e colocaram na sala de tevê. Rimbaud berrava nos meus tímpanos: você matou. Era um tal de cantar pra maluco dançar. O sargento se Eu não acreditava em meu amigo. Jamais fi zera mal a achava o Frank Sinatra. Cantava Altemar Dutra. Cantava uma mosca. Tratava as moscas muito bem. Pegava-as, mal. Meu ouvido não era penico. O gari da Comlurb guardava em saquinhos plásticos e soltava em outro am- cantava Boemia. Cada qual com seu cada um.
Os agentes B ainda estavam em cima de mim. Chatea- Fui pro quarto. Estava vazio e repleto de bichos de vam-me com aquele negócio de eu ter matado Temível.
luz. Eram tantos, que tive que desligar a luz. Os bichos vieram pra cima de mim. Fui tomar banho. Será que ha- Eu não sabia mais a quem apelar pra não ser esma- via um assassino entre nós? Nesse caso eu poderia estar gado na parede pelos policiais B. Eles agiam com certa correndo algum risco. Falei com meu pai que eu esta- agressividade verbal que eu não gostava. Talvez fosse o va correndo risco. Ele falou de meu tratamento. Disse que os policiais B estavam proibindo qualquer alta. Eu A família quer saber quem matou Temível Louco.
especulei que aquilo poderia ocasionar mais transtornos A família dele nunca veio vê-lo. Apenas o depositaram psicóticos nos psicóticos. Meu pai falou que se há um Em sete dias devem defi nir tudo, meu fi lho. Agüente Pelo que sei eles vêm todos os dias te ver. Você guarda Eu não ia fi car lá tomando uma hora de banho. O assas- O que isso tem a ver com a morte de Temível Louco? sino podia vir na encolha, como no Psicose de Hitchcock.
Achamos que só alguém muito bem estruturado poderia A origem da loucura em mim não deve vir do meu matar Temível. Temível Louco não era um louco qualquer.
pai e nem da minha mãe. Mas o gene com certeza é da família de meu pai. Minha avó tem uma mania de perse-guição horrível. Acha que meu pai não gosta dela. Acha A noite chegava e eu, enfi m, iria para o meu quar- que deveríamos pagar o aluguel pra ela.
to curtir uma viagem a Porto de Galinhas. Aumentava o som do walkman. Botava rock na rádio e foda-se estar ali.
Rimbaud aparecia como um malabarista, com tochas A turma toda fazia uma fi la indiana para entrar e al- de fogo nas mãos. Rebolava com aquilo nas mãos. Comia moçar almôndegas com arroz e feijão. O problema não o fogo. Cuspia o fogo. Era um dragão humano. Mas eu era o nome da comida, era como a comida era feita. Em já estava melhorando e sabia que Rimbaud era uma alu- grande quantidade. Como para animais. A educação na cinação que vinha pra me atazanar. Não posso negar que mesa não podia ser exigida naquele lugar. Eu quero um Jack. Eu não vou beber. Depois do show De mim e todo mundo aqui. Mas eu não matei nin- que fi z pra você, você não vai me dar um Daniel’s.
Resolvi não responder a Rimbaud. Você não ia falar Eu estava com você, falou Baudelaire. Você podia di- comigo. Você não consegue viver sem minhas aprovações.
É verdade que as alucinações são coisas negativas. Mas Muitos elefantes andando em círculo. Cada um segu- bem que poderiam ser doutrinadas para ser positivas.
zem que é loucura ver discos voadores. Depois do Haldol O vento corta a faca do meio-dia. Zaratustra deve Havia uma fera que rugia na minha barriga. Pedia estar andando pela fl oresta. Como voar parado? Existe comida. Veio lanche e tinha bolo. Era um bolo. Os lou- amor ao meio-dia? Quando ela passa por mim, babo.
cos todos em fi la. O Procurador-Geral da República e o Papai veio sozinho hoje. Disse que meu irmão quer drogado brigavam pela caneca de café com leite.
vir me ver. Meu irmão é mais doente do que eu. Tenho Eu vou pra Paracambi. Se você não comer, vai pro pena de meu pai. Carregar esses dois fardos. Meu irmão é bipolar de humor. Sofre por ser triste. Sofre muito. Meu O banheiro estava sujo pra cacete. Aquele frio horrendo. pai estudou psiquiatria por causa dele, depois, por causa Noite de cair neve. Caía neve do céu. Era Califórnia. Ca- de mim. Meu pai era pediatra. Agora é psiquiatra.
lifórnia me deu um beijo. Trouxe os remédios.
Eu queria ter feito minha formação em Cambridge. Califórnia era o nome da terapeuta que fazia uma di- Poderia ajudar mais os meus fi lhos.
nâmica de grupo uma vez por semana. Os únicos que não participavam eram os oligofrênicos. Eu contei a história Vejo Rimbaud desde os 23 anos. Baudelaire apareceu de Garnizé, que não só era gay, mas também tinha um fi lho gay. Os dois estavam com Aids.
Eu não podia nem ouvir alguém dizer boa-noite. Se alguém dissesse boa-noite tinha que ouvir isso mais três Pow! Bang! O pau começou a quebrar entre Louco Minha vida no mundo das cores era um inferno. Eu só vestia calça azul-marinho e camisa branca. Não vestia Tira a mão dos meus peitinhos. Tira a mão. Tira.
Pow! Bang! Os dois rolavam pelo chão. Vieram dois As roupas andavam sozinhas. Sozinhas e fantasmago- enfermeiros monstros de gordos e fortes e separaram os ricamente andavam em volta da fogueira. Algumas rou- dois. Louco Nerd foi amarrado na cama.
pas se jogavam no fogo. Faziam uma algazarra na noite.
Todos estão vendo tevê. Ninguém pisca. De dois em Esquizofrênicos com distúrbio delirante não têm pala- dois minutos ouve-se o som da cabeça de um oligofrêni- vra. Guardam um ódio à doença muito grande. Ninguém co na parede. A parede já estava abaulada. dá valor ao que falam. Eu não podia dizer pra ninguém O jogo do Brasil. Libera pra gente ver o jogo.
que Rimbaud achava que eu tinha matado Temível Lou- co. Baudelaire não. Ele sabia que eu não tinha feito nada.
Rimbaud passa correndo e vai para o quarto. Eu es- Fronsky fi cou de vir me buscar quando eu tinha 18 tou vendo o jogo. O Brasil joga bem. Gol. anos e até agora não apareceu em seu disco voador. Di- Fomos dormir tarde. Papai veio dormir em casa hoje. Senta ao meu lado a Senhora de Todos os Gritos. Mamãe fez um bolo de laranja. Uma delícia. Toda sexta- Ninguém sabe por que ou por quem ela grita. Dizem que perdeu um amor e fi cou assim, possuída pelo grito. É um Seguraram-me e botaram a camisa-de-força.
grito uterino. Uma coisa horrorosa. Destrói os tímpanos Agora cada um vai fazer um desenho. Fiz um Cristo da gente. Ela come com vagar o boi ralado, como se aqui- crucifi cado. Agora cada um vai mostrar o seu desenho. lo fosse fi lé mignon. Utiliza os talheres com precisão. É O meu desenho é o céu e o mar. É quando o céu se dona de uma etiqueta. Deixa a goiabada e dá um berro. Com a mão esquerda tira uma meleca e coloca na mesa.
No meu há um colibri pondo o pólen em cada estrela Algumas pessoas ali não são loucas, são apenas velhas, senis, e parecem viver em outro tempo. É o caso de Lem- bra-Vovó. Lembra-Vovó anda muito bem vestida num É como eu me sinto, um ser crucifi cado. Antigamente, tailler. É uma senhora de fi no trato. Anda maquiada, bem todo mundo que era diferente ou representava algum pe- rigo era crucifi cado. Hoje em dia fi ca em lugares como Não existe muito papo. Conversa boba. Aqui tudo é hospício, que é a melhor forma de não melhorar.
na base do grito ou do eu vou pra Paracambi, quem não Os policiais B chegaram perto de mim. Vieram numa Tudo bem, não foi você, nos desculpe. Somos ani- mais noturnos. Imagens e sons estranhos nos instigam. O que é a solidão? É viver sem obsessões. Mas na vida Aqui há o grito que é a forma de se comunicar. Há um às vezes a gente tem que escolher entre esmurrar a ponta de uma faca ou se deixar queimar no fogo.
Qual o pior?Um homem vestido de gelatina deu um beijo dentro O homem dentro do leite caixinha tipo B deu um tapa num outro dentro de uma garrafa de xampu Colo- Você não deve escrever sobre hospício.
rama. Era um tipo de garoto diferente, ele gostava de ir Não. Todo mundo tem um hospício perto. Ou é a com a mãe às compras. Sempre sobrava um docinho na sua bolsa que é um hospício. Ou a sua casa. Ou ainda a carteira de dinheiro. Muita coisa pode ser um hospício. Era como eles faziam no hospício: quando todos se Não falo de desorganização, falo de hospícios mesmo.
comportavam bem, endorfi na neles: goiabada. Como se Rimbaud apareceu vestido de índio apache. Disse pode sentir falta de um lugar de onde ninguém vem, pra que eu estava virando o general Custer.
onde só se vai? No hospício só chegam pessoas. Havia muitas fl ores em toda clínica. Era um lugar bonito. Por isso que digo que hospícios são lugares tão bonitos que lembram os cemitérios. Aqueles cemitérios onde há enormes jardins. Rimbaud gostava de brincar com fogo. Acendia ve- las. Baudelaire gostava do escuro. Mas não gostava de briga e muitas vezes sumia quando Rimbaud aparecia. Policias B decidem sair do hospício. Não chegam à con- Rimbaud era meu amigo de todo o tempo. Um verdadeiro clusão. O que é uma conclusão? É a certeza de perder defesas. Alguém abre uma garrafa de Coca-Cola. Alguém busca uma receita de felicidade. Alguma enguia em mi-nha testa atesta que o eletrochoque é pra voltar ao normal. Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Mas será que eu quero o meu normal de volta? Não sei Então viajei para Disney e dei porrada no Pluto, me- bem sobre o grilo e o cachorro azul. São somente animais tralhei o Mickey Mouse. Tudo porque eu gostava do Na-cional Kid e dos Incas Venezianos. A violência é tão fasci- azuis. Azul também é a cor dos olhos dela. Lembra-Vovó nante e nossa vida tão normal. Falo de um tipo específi co vem e me abraça. Quer dançar um tango, mas eu não sei de violência. Tudo pode ser violento. Mesmo Deus. dançar tão devagar. Meu papo é outro. Acugêlê banzai! Já estive no Japão. Era um lugar diferente. Bem pare- Tenho rituais. Acendo um cigarro atrás do outro e cido com um hospício. Cheio de gente. Às vezes, quando deixo que se fumem. Deixo que os deuses fumem cada me lembro do Japão, me vem a recordação de Temível um o seu cigarro. Às vezes acendo todos ao mesmo tempo.
Louco. Era um cara legal. Havia matado seis pessoas. Es- Meus deuses fumam comigo. Fica uma bagunça, orgia trangulado. Estuprado. Era um cara estranho, mas deli- de fumaça. E Rimbaud dança. Baudelaire foge. Sorrio.
cado comigo. Como já disse, ele tinha medo da minha Imagina se fossem baseados? Os deuses todos doidões voz quando eu falava num tom mais grave e forte. Temí- iriam sair feito capetas para a vida. Entrariam deuses e vel gostava de jogar xadrez consigo mesmo. Quem tinha matado Temível Louco? Era um mistério que ecoava no pouco silêncio que existia num lugar como aquele. Que-ro botar no silêncio minha voz.

Source: http://www.hotsitespetrobras.com.br/cultura/upload/project_reading/0_LEITURA_todos_os_cachorros.pdf

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Chapter 11 Short Answer 1. List three variations in buffering. 2. Provide an application example in which a buffer zone is used as an inclusion zone. 3. Provide an application example in which a buffer zone is used as an exclusion zone. 4. The concept behind buffering is similar to proximity in spatial data query. Provide an example in which you must use buffering instead of spatial data

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